Direto da Redação
Lula não fala inglês
Amigos, o artigo está pronto, veio pronto, pautado, escrito e transmitido por Lula, no comício em Campo Grande (MS), na noite da última terça-feira:
“Me lembro como se fosse hoje, quando eu estava almoçando na Folha de São Paulo. O diretor da Folha de São Paulo perguntou pra mim: ‘O senhor fala inglês? Como é que o senhor vai governar o Brasil se o senhor não fala inglês?’… E eu falei pra ele: alguém já perguntou se Bill Clinton fala português? Eles achavam que o Bill Clinton não tinha obrigação de falar português!… Era eu, o subalterno, o colonizado, que tinha que falar inglês, e não Bill Clinton o português!…
Houve uma hora em que eu fiquei chateado e me levantei da mesa e falei: eu não vim aqui pra dar entrevista, eu vim aqui pra almoçar… Levantei, parei o almoço… E fui embora. Quando terminou o meu mandato, terminei sem precisar ter almoçado com nenhum jornal! Nunca faltei com o respeito com a imprensa… E vocês sabem o que já fizeram comigo…” (Vídeo do discurso aqui)
Essa agressão se deu em um almoço, belo e respeitoso, aonde Lula fora na condição de convidado e candidato, em 2002. Apesar de suas deficiências no speak englisk, ou até mesmo por essas fundamentais deficiências, como diria o mais culto e refinado dos Frias, Lula foi eleito. Ô raça. Gentalha sem brios, sem pudor e sem moral, meteu um metalúrgico nordestino no mais alto posto da nação, danação, como Frias e assemelhados gostavam de dizer.
Recordar é uma forma de conhecimento, talvez a mais aprimorada. Pois não é que depois de um mandato em que o mundo não se acabou, Lula achou de voltar à campanha para a presidência em 2006? Folgado, o cara. Não conseguindo lavar a jega no primeiro turno, partiu pro segundo. Pra quê? Na ressaca – todos lembram bem, Lula era alcoólatra, ele era dado a uma cachacinha, que à sua maneira atualizava Marx, da tendência Karl: “o povo se embriaga, os burgueses vão ao club” – pois bem, na ressaca das eleições daquele primeiro de outubro, uma das peças indeléveis, unforgettable, foi o artigo “Yankees e rebeldes” na Folha de São Paulo em 5.10.2006. Real?
Nem tanto pela qualidade, elegância e boa prosa do texto. Nem mesmo pelo inusitado de conceitos. As idéias ali expostas, se por idéias entendemos tudo que sai de uma cabeça, longe estavam de ser novas. Pelo contrário, eram velhas e velhíssimas no nascimento. Mas escritas sob inspiração de um ghost writer, passaram a ser um documento histórico de como a elite de São Paulo via os outros brasileiros. O possível autor, que se assinava como Otavio Frias Filho, dizia:
“YANKEES E REBELDES
Muito se tem escrito sobre a divisão do Brasil em duas metades que emergiu no domingo. Os jornais trazem mapas onde Rio, Minas, o Nordeste e o Norte aparecem em vermelho (Lula), enquanto São Paulo, o Sul e o Centro-oeste estão em azul (Alckmin). Essa divisão entre ‘yankees’ e confederados em nossa ‘Guerra Civil’ eleitoral já foi enfocada sob seus dois prismas mais evidentes, o antagonismo de classe e a desigualdade geográfica. Grosso modo, o primeiro opõe as classes populares às classes médias. O segundo ângulo opõe o ‘Norte’ ao ‘Sul’…
Em grande parte do Nordeste, e mesmo em Minas e no Rio, o cenário é outro. São regiões onde a onipresença do Estado remonta ao período colonial; são lugares onde o poder do Estado para contratar, subsidiar, autorizar verbas segue enorme, até por compensar a relativa debilidade da economia privada…”.
Era uma placa a ser gravada com letras de ouro. Era o óbito de um tempo, de uma classe, que se desejava mostrar ilustrada, educada, culta. O que antes atingia Lula, chamado de apedeuta pelo mesmo Frias em outro artigo, o que antes atingia, de raspão, a sua origem material e de nascimento, um operário, um nordestino, agora se dirigia com mais precisão à gente que lhe era semelhante.
Lembro que ao comentar essa brilhante excreção, escrevi que os Frias e semelhantes podiam esperar uma praga de nordestinos, em revoada de Norte a Sul para São Paulo, quando 29 de outubro chegasse. Que chegou, e veio, gerando mais um mandato, talvez o mais brilhante da república do Brasil.
Hoje, e até a próxima semana, temos Dilma com 46%, e Serra com 28% de intenções de voto. Nos próximos quatro anos, se alguém lhe ensinar o samba, o dono da Folha pode interpretar: “Implorar, só a Dilma, mesmo assim às vezes não sou atendido”. Recordar é prever. Bruxo sem memória não há.
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