A validação da Medida Provisória que
moderniza os portos brasileiros adquiriu contornos dramáticos em
Brasília. Cinco horas antes de perder eficácia, a norma foi aprovada a
toque de caixa no Senado, com 53 votos favoráveis. A votação na Casa
presidida por Renan Calheiros ocorreu pouco depois de extenuante sessão
de 22 horas na Câmara. O embate entre os deputados, iniciado às llh09 da
quarta-feira, só terminou às 9h31 de ontem. Pela madrugada, houve
convocação de parlamentar que estava em casa e deputados prostrados nas
dependências da Câmara. Senadores de oposição tentaram anular, por meio
de liminar no Supremo, a votação de ontem. Mas o ministro Celso de Mello
indeferiu o pedido
Após longa votação
na Câmara, senadores asseguram vitória do Planalto ao referendar a
medida provisória que altera as regras de uso dos terminais marítimos.
Oposição recorre ao STF, mas ministro nega anulação do resultado
A presidente Dilma Rousseff venceu
ontem uma das mais longas batalhas de seu governo no Congresso e
garantiu a aprovação da Medida Provisória 595, a MP dos Portos, a pouco
menos de cinco horas de o texto caducar. Em sessão bem menos tensa que
na Câmara, os senadores aprovaram o projeto com folgada margem — 53
votos favoráveis, sete contrários e cinco abstenções. Segundo o
Planalto, a nova legislação permitirá a modernização dos portos e
salvará o Brasil de um “apagão” na entrega de mercadorias. A aprovação
da nova lei quase esbarrou no Supremo Tribunal Federal (STF), que
avaliou pedido de senadores da oposição para anular o resultado. Mas o
ministro Celso de Mello negou a liminar (leia mais na página 4).
Diferentemente do que ocorreu na Câmara, que levou 41 horas na
análise da MP entre terça-feira e ontem, os senadores críticos à
proposta não concentraram o debate no conteúdo. Com pouco tempo para
tentar obstruir a votação, eles começaram a sessão anunciando que
apresentaram um mandado de segurança ao STF contra a tramitação da
medida e, na maior parte dos discursos, se voltaram contra a velocidade
com que a base queria votar o texto no Senado. “Alguém aqui, em sã
consciência, sabe me dizer o que essa MP, aprovada na Câmara dos
Deputados às 8h, contém e, se o que a contém, é pelo menos fiel ao texto
original encaminhado pela presidente?”, questionou Randolfe Rodrigues
(PSol-AP).
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também acabou se
tornando alvo da oposição por permitir a votação da MP em tão pouco
tempo. Para Randolfe, Renan se comportou mais como integrante do PMDB do
que como presidente do Senado. “Deveria defender a soberania da Casa”,
reclamou. No início da sessão, que durou pouco menos de oito horas,
Renan prometeu que seria a “última vez” que a Casa aceitaria votar uma
MP no afogadilho. “O Senado não vai mais concordar com a continuidade
dessa aberração institucional. Apreciar MP nas últimas horas de vigência
significa, em português claro, limitar o papel constitucional do
Senado”, disse, acrescentando que a Casa só analisará, daqui em diante,
medidas provisórias que tenham mais de sete dias de prazo de validade.
A promessa não convenceu a oposição. “É um achincalhe. Avilta a
inteligência e a dignidade dos parlamentares uma matéria dessa
complexidade nos ser imposta sem que tenhamos sequer o direito de
aprimorá-la”, reclamou Aécio Neves (PSDB-MG). O tucano, potencial
candidato à Presidência em 2014, aproveitou a discussão para alfinetar
Dilma. Para ele, o PT teve 10 anos para “se preocupar” com o setor em
discussão, mas ignorou o “estado de calamidade pelo qual passam os
portos”.
A oposição apresentou nove destaques à matéria, o que não foi
suficiente para atrasar a votação, já que eles foram rejeitados em
bloco. Como tentativa de obstrução, os senadores do PSDB, do DEM e do
PSol fizeram também requerimentos para suspender a votação e usaram
todas as oportunidades para discursar, além de pedirem verificação de
quórum.
O PMDB, que na Câmara foi um dos maiores obstáculos do governo para
aprovar a proposta, colaborou com a celeridade da votação no Senado. O
líder do partido na Casa, Eunício Oliveira (CE), fez questão de
ressaltar que, dos 27 integrantes do bloco da maioria, apenas um não
votou. Ele se recusou, entretanto, a comentar as divergências entre o
comportamento do PMDB nas duas Casas. O líder da legenda na Câmara,
Eduardo Cunha (RJ), dificultou a análise da MP até fazer o governo ceder
em um dos trechos da proposta.
Agradecimento
Ao fim da sessão, a presidente Dilma telefonou para Renan para agradecer
pela condução da votação. “Ela estava muito feliz. Faço questão de
dizer, nas palavras dela: o Brasil ganhou. O país é vitorioso. Isso é
bom para a modernidade, para a competitividade, para a geração de
emprego, para a atração de investimento”, relatou.
Uma das principais mudanças previstas no texto da MP é a
possibilidade de concorrência entre portos públicos e terminais
privados. Empresários reclamam, hoje, que, sem a disputa, os
concessionários impõem preços altos e nem sempre correspondem com um
serviço de qualidade. Um dos artigos permite à Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq) dar acesso a qualquer interessado às
instalações portuárias privadas. Assim, uma série de restrições
existentes no uso desses terminais privados por terceiros deve ser
eliminada.
Recorde de duração
A sessão da Câmara dos Deputados para discussão das emendas da MP dos
Portos, que começou às 11h09 na quarta-feira e terminou às 9h31 na
quinta, foi a mais longa dos últimos 22 anos. Foram 22 horas e 27
minutos de debates. De acordo com levantamento da Secretaria-Geral da
Casa, a eleição, em 2005, do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE)
está em segundo lugar no ranking das demoradas sessões, com 17 horas e
15 minutos. A análise da MP dos Portos volta a aparecer na lista, em
quinto lugar, com a sessão entre a terça e a quarta-feira, na qual o
texto base fora aprovado. Foram 16 horas e 50 minutos.
Marco regulatório
Entenda a MP dos Portos
A matéria define novas regras para concessões, arrendamentos e
autorizações de terminais e instalações portuárias, públicas ou
privadas. Na visão do governo, essa é a única solução para modernizar os
portos e escoar de maneira satisfatória a produção brasileira.
O Planalto alega ainda que as novas regras evitarão um “apagão” na distribuição de mercadorias pelo país.
Com o novo marco regulatório, os investimentos privados serão intensificados e os portos, modernizados.
O objetivo final é baixar o custo de logística e tornar o Brasil um país
mais competitivo.
Oposicionistas alegam que o governo Dilma está privatizando os portos
e beneficiando grupos de empresários que, segundo eles, fizeram lobby
no Congresso para a aprovação da matéria.