Ao estimular deposição de Lugo, Casa Branca pode ter procurado cercar Brasil e Argentina, além de criar contencioso em Itaipu
Por Flavio Lyra*
Só
ingênuos podem admitir que o golpe parlamentar que destituiu o
presidente Lugo do Paraguai, no dia de ontem, não tem o dedo do
Pentágono. Essa nova modalidade de golpe, inaugurada em Honduras em
2009, que destituiu o presidente Zelaya, articulada na base aérea que os
Estados Unidos mantém naquele país centro-americano, teria sido mais
uma vez aplicada com sucesso, ao menos, por enquanto.
É
uma grande coincidência que tais fatos ocorram contra governos de
esquerda que tentam realizar reformas em favor dos segmentos mais pobres
da população, particularmente reformas agrárias. Tanto Zelaya, quando
Lugo vinham tentando melhorar o acesso à terra a camponeses secularmente
explorados por grandes latifundiários e realizar ações de proteção
social aos segmentos mais pobres da população.
Não
surpreende a atitude ambígua que o governo dos Estados Unidos adotou,
inicialmente, no caso de Honduras e, posteriormente, favorável à
substituição do presidente Zelaya. Agora, a história repete-se com o
governo dos Estados Unidos achando que a destituição abrupta do
presidente Lugo respeitou as regras do jogo democrático, quando
nitidamente tratou-se de um conluio dos partidos derrotados na última
eleição para livrar-se de um presidente vinculado a causas populares.
É
muito provável que o pequeno Paraguai se dispusesse a confrontar as
regras do Mercosul e da Unasul, entrando em conflito com seus dois
vizinhos Argentina e Brasil, se não contasse com o estímulo e proteção
do governo norteamericano. Certamente, que os governos do Brasil e da
Argentina vacilaram claramente ao não acompanharem o desenvolvimento da
conjuntura política no Paraguai, mormente quando se sabe que Washington
estreitou muito suas relações com o Chile, depois do governo direitista
de Piñera, e vinha realizando gestões para construir uma base militar no
Paraguai. Tem sido denunciada a intenção de estabelecer um cerco a
Brasil e Argentina.
Do
ponto de vista da oligarquia paraguaia nada mais conveniente do que
buscar apoiar-se no grande irmão do Norte para manter seus privilégios
em desfavor da maioria do povo paraguaio, pois certamente não contaria
com a boa vontade de Brasil e da Argentina, cujas políticas econômicas
têm forte conteúdo social.
Agora,
o problema está criado, pois estamos ameaçados em interesses muito
concretos como é a manutenção dos acordos regionais do Mercosul e da
Unasul, sem contar que existe a empresa binacional de Itaipu, importante
fornecedora de energia para o Brasil, construída na fronteira entre
Brasil e Paraguai.
Washington
pode muito bem estar contando com o isolamento do Paraguai, no âmbito
da região, para estreitar suas ligações com esse pequeno país e
transformá-lo em ponta de lança contra as pretensões de maior autonomia
de Brasil e Argentina.
No
mundo atual, em que é notória a ação intervencionista generalizada,
explícita e oculta, das grandes potências, especialmente dos Estados
Unidos, nos países mais frágeis, especialmente os mais dotados de
recursos naturais estratégicos, qualquer descuido dos organismos
responsáveis pela segurança interna em relação ação dos órgãos do
Departamento de Defesa dos Estados Unidos e outras potências pode
acarretar funestas conseqüências para a segurança nacional.
Não
me admiraria se algum dia vier a ser constatado que a crise do
“mensalão”, durante a qual foi ensaiada uma tentativa de golpe, visando a
destituição do presidente Lula, tenha contado com o apoio dos Estados
Unidos. O denunciante do esquema, o deputado federal Roberto Jeferson,
conhecido por sua atuação em episódios obscuros, poderia muito ter sido
cooptado pelo departamento de Defesa dos EUA, para dar a sua denúncia o
teor que assumiu. Suspeito fortemente que o que se denominou mensalão
foi uma das operações, ilegais, porém freqüentes, com que tem sido
financiadas as campanhas eleitorais no país, mediante o uso de “caixa 2”
de empresas privadas ou públicas.
Não
há por que não admitir que as ações que os Estados Unidos e as grandes
potências vêm realizando de desestabilização dos governos de vários
outros países, como acontece no Oriente Médio, inclusive com o
fornecimento de armamento, não possam estar em vias de acontecer na
América do Sul. Portanto, senhores governantes, não nos deixamos enganar
pela cordialidade aparente dos ministros e governantes das grandes
potências. Seus interesses, como tais, estão sempre em primeiro lugar e
eles não hesitam em mobilizar meios, nem sempre os mais lícitos, para
defendê-los.
Os
Demóstenes Torres, Carlinhos Cachoeira e muitos outros infiltrados nas
altas esferas do poder público e do setor privado e da grande imprensa,
são candidatos naturais a montar esquemas de desestabilização dos
governos democráticos, em associação com os serviços secretos das
grandes potências e grupos políticos internos ameaçados em seus
privilégios. É preciso combatê-los com toda a energia, sob pena de “só
fecharmos a porta depois que o ladrão esteja dentro de casa”.
–
Flávio Lyra é economista e ex-técnico do IPEA. Cursou doutorado de Economia na Unicamp.
Flávio Lyra é economista e ex-técnico do IPEA. Cursou doutorado de Economia na Unicamp.
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