Istoé aponta propinoduto tucano no metrô paulista
Reportagem aponta
que nos governos de Geraldo Alckmin, mas também de José Serra e Mario
Covas, cerca de US$ 50 milhões teriam sido desviados das obras do metrô;
denúncia da Siemens, que decidiu colaborar com a Justiça, lança luzes
sobre o esquema; Alckmin será, agora, alvo de ação de improbidade
247 - Uma
denúncia feita pela multinacional alemã Siemens, que acusou formação de
cartel nas obras do metrô, em São Paulo, e decidiu colaborar com a
Justiça, poderá trazer sérias complicações ao governador Geraldo
Alckmin. De acordo com reportagem da revista Istoé, publicada neste fim
de semana, foi montado um "propinoduto" relacionado às obras do metrô,
que teria desviado US$ 50 milhões nos governos de Alckmin, mas também de
José Serra e Mario Covas. Alckmin será, inclusive, alvo de uma ação de
improbidade. Leia, abaixo, a reportagem de Alan Rodrigues, Pedro
Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas:
O esquema que saiu dos trilhos
Um
propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens
metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São Paulo.
Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas
de fachada
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
Ao
assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), a multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um milionário
propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos governos do PSDB em
São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos trens
metropolitanos. Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus
executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se
articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações
públicas na área de transporte sobre trilhos. Para vencerem
concorrências, com preços superfaturados, para manutenção, aquisição de
trens, construção de linhas férreas e metrôs durante os governos tucanos
em São Paulo – confessaram os executivos da multinacional alemã –, os
empresários manipularam licitações e corromperam políticos e autoridades
ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão. O problema é que
a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas administrações
de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo de
investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência
foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse. Pelo
contrário. Desde que foram feitas as primeras investigações, tanto na
Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a vencer
licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São Paulo. O
Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a personagens
relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que compete com a
Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em
contrapartida a contratos obtidos. Somente o MP de São Paulo abriu 15
inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível
detalhar como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e
que teria drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para
abastecer o propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na
Europa.
As
provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são
contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no
Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ
teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que
prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como
funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece
os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia.
Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma
licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços
e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu
em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa
alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série
3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À
época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma
planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã
pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$
2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE
para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a
denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do
caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não
era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando
políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.
A
MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina.
Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina
de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público
paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o
depoimento, estariam envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo
Moriyama, segundo o delator “conhecido no mercado ferroviário por sua
agressividade quando se fala em subornar o pessoal do Metrô de SP e da
CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente
ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz Lavorente,
ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente de
manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente, “está na folha
de pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como
os lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde
a MGE deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em
mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os
valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo
e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio
da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui,
segundo relato do funcionário da Siemens. Procurados por ISTOÉ,
Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados.
A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está
colaborando com as investigações.
Além
de subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte para o
desvio de dinheiro público, o esquema que distribuiu propina durante os
governos do PSDB em São Paulo fluía a partir de operações
internacionais. Nessa outra vertente do esquema, para chegar às mãos dos
políticos e servidores públicos, a propina circulava em contas de
pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais. Uma dessas transações
contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da Siemens, com a
participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, através de
suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no
Uruguai, Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso
específico, segundo o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens,
em parceria com a Alstom, uma das integrantes do cartel denunciado ao
Cade, ganhou a licitação para implementação da linha G da CPTM. O acordo
incluía uma comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual
ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a
diretores da área de transportes sobre trilho. “A Siemens AG (Alemanha) e
a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a
Leraway e com a Gantown para o pagamento da comissão”, afirma o delator.
As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina
eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam
participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF,
Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki,
guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços
a serem praticados por empresa na licitação.
Os
depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o caso
iniciadas há cinco anos no Exterior. Em 2008, promotores da Alemanha,
França e Suíça, após prender e bloquear contas de executivos do grupo
Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção, descobriram que
as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a servidores
públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil. Um dos nomes
próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos promotores foi o
de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE)
nomeado pelo então governador tucano Mário Covas. No período em que as
propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava diretamente com
Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca na região de Paraty, no Rio
de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José dos Campos, ocupou a
coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e foi chefe da Casa
Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997. Numa colaboração
entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles identificaram uma conta
bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa
Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão depositado. Marinho é até
hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele não respondeu ao contato de
ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo, ele, que era conhecido como
“o homem da cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem negado a
sua participação em negociatas que beneficiaram a Alstom.
Entre
as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade está a
de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a
canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se
durante anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos
na área de transporte sobre trilhos. Entre as licitações envolvidas sob a
gestão do PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as
concorrências para a manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e
2.100 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão
da Linha 2 do metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no
Projeto Boa Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de
manutenção de trens, além de concorrências para aquisição de carros de
trens pela CPTM, com previsão de desenvolvimento de sistemas,
treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços complementares.
Com
a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam a
derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também
superfaturada. Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela
que ganhasse o certame previamente acertado subcontratasse outra
derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os acordos por
diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das empresas
e referendados por correspondência eletrônica. No início do mês, a
Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das
companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal
executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília.
Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas
coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de
leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção
caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e
criminal integral é assegurada quando um participante do esquema
denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações. Em
caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a até
20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem sendo
negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a
multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de
preços em licitações.
Só
em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas
importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom,
faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões. “Os tucanos têm a sensação de
impunidade permanente. Estamos denunciando esse caso há décadas.
Entrarei com um processo de improbidade por omissão contra o governador
Geraldo Alckmin”, diz o deputado estadual do PT João Paulo Rillo. Raras
vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por tantos governos
seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do País, mesmo
com réus confessos – no caso, funcionários de uma das empresas
participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de depoimentos
contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo menos 15
processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração profunda
sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo.
No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que
espera rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido
desviado dos cofres públicos.
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