terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Sobre o Wikileaks

Bob Fernandes

Perseguir Assange pode fazer dele "mártir", diz especialista

Ana Cláudia Barros

O australiano Julian Assange, do site WikiLeaks (foto: Reuters)

O argumento da defesa do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, de que a prisão dele nesta terça-feira (7) por agentes da Polícia Metropolitana de Londres, a Scotland Yard, teria sido retaliação foi considerado improvável pelo especialista em Direito internacional, professor da PUC-SP, Caio Gracco Pinheiro Dias. Assange, que é acusado de crimes sexuais, tornou-se persona non grata por conta da publicação de milhares de documentos sigilosos, entre eles, informações secretas referentes à guerra no Afeganistão e telegramas da diplomacia dos Estados Unidos, o que provocou a irritação do governo norte-americano, além de constrangimento com a revelação dos bastidores.
- Não dá para descartar essa possibilidade, mas é preciso imaginar que para conseguir que um país soberano como a Suécia (onde os supostos crimes foram praticados) abrisse uma investigação criminal contra o Assange, por pura manipulação política, é difícil de acreditar. É também muita "teoria da conspiração" crer que as vítimas possam eventualmente estar a mando dos Estados Unidos, numa tentativa de assassinato de reputação.
Gracco lembra que os vazamentos de documentos não são obra de uma pessoa, mas de uma rede. "Então, ainda que quisessem acabar com a vida do Assange por ele ter revelado segredos americanos, o fato é que essa ação seria absolutamente inócua".
O especialista acrescenta que a estratégia de ameaça ao WikiLeaks pode ter uma consequência inesperada.
- O WikiLeaks, ainda que seja uma estrutura descentralizada, é uma organização que tem uma existência pública. O problema de se perseguir essa organização é que o interesse de algumas pessoas na divulgação desse tipo de segredo vai continuar existindo. O que pode acontecer é que a internet facilita que as pessoas se organizem de maneira mais clandestina.
Para ele, há também o risco de aumentar "a percepção de que Assange é um mártir, um inocente que está sendo acusado injustamente, dando mais legitimidade à causa".
Asfixia
Na opinião do professor, a verdadeira campanha contra o WikiLeaks não é a prisão do Assange.
- A verdadeira campanha foi a Visa, a Mastercard se recusarem a receber pagamentos para eles, bloquearem as contas da Wikileaks. Foi a Amazon se recusar a hospedar o site. Essa é a verdadeira campanha, porque tenta asfixiar a organização, e não a pessoa. Curiosamente, não está tendo toda publicidade que mereceria. O foco está sendo na figura do Assange.
Gracco faz uma comparação entre os vazamentos de documentos e a divulgação de escutas eletrônicas pela imprensa brasileira, e diz que a prática do site não é ilegal.
- No Brasil, volta e meia, revistas, jornais divulgam gravações feitas pela Justiça. Essas gravações são protegidas por sigilo. É responsabilidade da autoridade resguardar o sigilo das gravações. Somente pode revelar as gravações quando elas viram provas, ou seja, no curso do processo. O que acontece é que, muitas vezes, por alguma razão, elas acabam sendo publicadas pela imprensa. Você teve alguém que descumpriu um dever funcional, dever de sigilo. Por outro lado, há alguém que divulgou as informações. A prática no Brasil é considerar que o vazamento é ilegal, mas a publicação pela imprensa não é, desde que haja interesse público. Então, se a gente pensa dessa maneira, é possível associar o WikiLeaks a um órgão de imprensa, ele está dando publicidade. Agora, não foi o WikiLeaks que entrou no sistema do Pentágono, por exemplo. A informação é que um funcionário do Pentágono teria passado os dados - afirma.
Ele emenda: "Se a aplicarmos a mesma lógica usada no Brasil - e, até onde sei, é aplicada nos Estados Unidos -, a publicidade do material não é ilegal".
Segundo ele, o governo americano está endurecendo para evitar outros vazamentos.
- Ele publicou uma regra, proibindo os funcionários do governo de lerem, armazenarem os documentos. Pela lei americana, ainda que os documentos tenham sido divulgados, eles continuam secretos. Então, quem divulga estaria de alguma maneira violando. Não se aplicaria aos órgão de imprensa. Isso é uma reação do Estado à divulgação do segredo. Muito mais do que uma ameaça ao Assange.
Segurança em xeque
Na avaliação do especialista em segurança da informação, professor da Universidade de Brasília (UnB), Jorge Henrique Fernandes, o site WikiLeaks representa um "movimento anárquico", na medida em que vai contra a ordem estabelecida, tentando construir um novo diálogo". É ainda, diz ele, "uma demonstração do poder que a internet tem de trazer discussões, que, talvez, nunca foram ditas abertamente".
- É muito difícil controlar as informações que fluem na rede. É um estrago grande. Acho que isso vai provocar mudanças na maneira de como os países se enxergam, de como as pessoas veem a política internacional.
Em relação às fragilidades de segurança que o WikiLeaks evidenciou, Fernandes reconhece que "os sistemas têm vulnerabilidades".
- Falando como especialista na área, é uma demonstração de que a tecnologia não resolve de fato os problemas de segurança da informação. Os Estados Unidos têm um aparato gigantesco de segurança da informação e gasta fortunas com isso. Mesmo assim, dados sensíveis são copiados e distribuídos. Se não conseguem evitar os vazamentos, é porque a coisa é complexa. Há uma dificuldade gigantesca de oferecer segurança nesse processo.
Para o professor da UNB, a lição deixada pelo WikiLeaks é "que o fator humano é algo extremamente difícil de ser controlado".
- Uma consequência política desse processo é que a questão da segurança pode ter uma discussão mais democratizada. O que significa isso, como tem que se abordar o trato da informação. Agora, é uma demonstração de que talvez, quando os sistemas, as organizações, os Estados, os aparatos de governo chegam a um certo tamanho, mais difícil se torna dar essa segurança devida.

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Vermelho

Assange: fascina ver os tentáculos da elite americana corrupta

O fundador do site Wikileaks, Julian Assange, falou com exclusividade ao Opera Mundi nesta segunda-feira (6). Assange não escondeu a irritação com o congelamento de sua conta bancária na Suíça e também falou de outras ações tomadas contra a organização desde o lançamento de documentos sigilosos de embaixadas dos Estados Unidos.

Assange se preparava para se apresentar à polícia britânica, o que aconteceu na manhã desta terça-feira (7) em Londres. O fundador do Wikileaks é acusado de crimes sexuais na Suécia. A denúncia não é clara, mas inclui a prática de sexo desprotegido com duas mulheres, na mesma época em que dava uma palestra em Estocolmo. Desde o dia 18 de novembro, a justiça sueca expediu mandado de prisão com o objetivo de interrogá-lo por "suspeitas razoáveis de estupro, agressão sexual e coerção". Julian Assange deve ser ouvido ainda hoje num tribunal de Westminster, na região central de Londres, onde será decidido se ele será extraditado à Suécia.

Opera Mundi: Neste momento, quais acusações pesam sobre você?
Julian Assange — São muitas as acusações. A mais séria é que eu e o nosso pessoal praticamos espionagem contra os EUA. Isso é falso. Também a famosa alegação de "estupro" na Suécia. Ela é falsa e vai acabar se extinguindo quando os fatos reais vierem à tona, mas até lá está sendo usada para atacar nossa reputação.

Opera Mundi: Sobre essa acusação de espionagem, há algum processo judicial correndo? Julian Assange — Não. É uma investigação formal envolvendo os diretores do FBI, da CIA e o advogado-geral norte-americano. A Austrália, meu país, também está conduzindo uma investigação do mesmo tipo — em que se junta todo o governo — e ao mesmo tempo estão asssessorando os EUA. Uma das fontes alegadas para essa investigação, Bradley Manning [militar acusado de ser a fonte do Wikileaks], está preso em confinamento solitário em uma cela na prisão no estado da Virginia, nos EUA. Ele pode pegar até 52 anos de prisão se for condenado por todas as acusações, que incluem espionagem.

Opera Mundi: Qual a diferença entre o que faz o Wikileaks e espionagem?
Julian Assange — O Wikileaks recebe material de "whistle-blowers" (pessoas que denunciam algo errado nas organizações onde trabalham) e jornalistas e os entrega ao público. Acusar de espionagem quer dizer que nós teríamos que trabalhar ativamente para adquirir o material e o repassar a um estrangeiro.

Opera Mundi: No caso da Suécia, o que as mulheres alegam?
Julian Assange — Elas dizem que houve sexo consensual. O caso chegou a ser arquivado por 12 horas quando a procuradora-geral em Estocolmo, Eva Finne, leu os depoimentos. Depois foi reaberto, após uma articulação política. Todo esse caso é bastante perturbador. Agora, eles acabaram de congelar minha conta em um banco na Suíça, nosso fundo para pagar minha defesa.

Opera Mundi: Com base em quê?
Julian Assange — Eles estão alegando que eu os coloco em risco. Mas não têm nada que sugira isso, e de qualquer forma isso é falso.

Opera Mundi: E qual é a sua opinião sobre o congelamento de transferêcias de dinheiro pela empresa PayPal, e o fato de que a Amazon retirou o site do ar? Como você vê essas ações?
Julian Assange — É fascinante ver os tentáculos da elite norte-americana corrupta. De certo modo, observar essa reação é tão importante quanto ver o material que publicamos. A Paypal e a Amazon congelaram nossas contas por razões políticas. Com o Paypal, 70 mil euros foram congelados. Com o nosso fundo de defesa, cerca de 31 mil euros.

Opera Mundi: O que eles alegam?
Julian Assange — Eles dizem que estamos fazendo "atividades ilegais", o que é, claro, uma inverdade. Mas estão ecoando as acusações de Hillary Clinton [secretária de Estado norte-americana] sobre como publicamos documentos que podem causar transtornos aos EUA. Mesmo assim, o líder do comitê de segurança nacional no Senado disse com muito orgulho que ele havia ligado para a Amazon e exigido o fechamento no site.

Opera Mundi: O que o Wikileaks está fazendo para se defender do congelamento das doações?
Julian Assange — Nós perdemos 100 mil euros somente nesta semana como resultado do congelamento dos pagamentos. Temos outras contas em bancos - na Islândia e Suécia, por exemplo, que o público pode usar. Estão em um site. Também aceitamos cartões de crédito.

Opera Mundi: O que mais o Wikileaks está fazendo para se defender?
Julian Assange — Nós estamos contando com a diversidade e o apoio de boas pessoas. Temos mais de 350 sites pelo mundo que reproduzem nosso conteúdo. Precisamos disso mais do que nunca.

Fonte: Opera Mundi

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