A enrascada em que se meteu o procurador da República Rodrigo De
Grandis se deve à sua aposta na blindagem errada: julgou que o PSDB
fosse um todo homogêneo e não se deu conta de que a blindagem da mídia
beneficiava exclusivamente o grupo ligado ao ex-governador José Serra.
A primeira prova de fogo de De Grandis foi a Operação Satiagraha.
Nela, os principais atores - juiz Fausto De Sanctis e delegado
Protógenes Queiroz - foram alvos de uma campanha implacável – da mídia,
como um todo, reforçada pelo Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)
Gilmar Mendes.
De Sanctis e Protógenes mostraram estrutura psicológica para resistir
ao massacre a que foram submetidos. De Grandis encolheu-se,
assustou-se.
Quando a Satiagraha recrudesceu, seus parceiros apontavam para seu
pouco entusiasmo, o desagrado de ser interrompido em alguma festa para
tomar alguma medida urgente, a demora em responder a algumas questões,
nada que o comprometesse mas que já demonstrava seu desconforto de
enfrentar empreitada tão trabalhosa - que, para procuradores mais
vocacionados, poderia ser o desafio da vida.
Definitivamente, De Grandis não tinha a estrutura psicológica e a
vocação dos que se consagraram no combate ao crime organizado, como os
procuradores Vladimir Aras, Raquel Branquinho, Luiz Francisco, Celso
Três, Janice Ascari e Ana Lúcia Amaral - firmes e determinados, alguns
até o exagero, como várias vezes critiquei.
O convite inacreditável a Mainardi
Na primeira vez que foi alvo de ataques, De Grandis arriou.
Ocorreu quando o colunista de Veja Diogo Mainardi avançou além da
prudência e anunciou que entregaria pessoalmente ao juiz da Operação
Chacal (na qual Dantas era acusado de grampear adversários e
jornalistas) o relatório da Itália sobre as escutas da Telecom Italia.
Titular do caso, a procuradora Anamara Osório reagiu e publicou nota
no site do Ministério Público Federal de São Paulo alertando que se
tratava de um jogo de Dantas para contaminar o inquérito. Sem noção,
Mainardi partiu para ataques destrambelhados contra os procuradores.
Depois, caiu a ficha e entrou em pânico.
Dias depois, foi recebido por De Grandis, através da intermediação de
um colega de faculdade ligado à ex-vereadora Soninha - do grupo de
Serra. Foi um encontro surpreendente. Numa ponta, um colunista assustado
– conforme algumas testemunhas do encontro -, quase em pânico, querendo
desfazer a má imagem perante os procuradores. Na outra ponta um
procurador assustado, querendo desfazer a má imagem junto à mídia.
Foi provavelmente ali que De Grandis sentiu a oportunidade de se
aproximar dos detratores e proteger-se do fogo futuro. Convidou Mainardi
para palestrar em um encontro social de procuradores, avalizando -
perante a classe - a conduta de um dos principais suspeitos de atuação
pró-Dantas.
Só não ocorreu o encontro por falta de agenda de Mainardi.
As mudanças na atuação
A partir daquele episódio, surgem os sinais mais nítidos da aproximação de De Grandis com o grupo Serra.
Quando a Operação Satiagraha foi anulada pelo STJ (Superior Tribunal
de Justiça), chamou a atenção sua indiferença contra uma medida que
comprometia o que procuradores mais vocacionados considerariam o
trabalho de sua vida.
Tempos depois, recusou pedido da Polícia Federal para indiciar o
vereador Andreá Matarazzo - também do grupo Serra. Devolveu o inquérito
solicitando mais informações para tomar sua posição.
Poderia ser apenas rigor técnico, não fossem os fatos posteriores.
Foi apanhado no contrapé quando a revista IstoÉ mencionou os pedidos
de procuradores suíços para atuar contra suspeitos do caso Alstom -
dentre os quais José Ramos, figura-chave da história. Alegou ter
esquecido o pedido em uma pasta errada. Agora, a Folha informa que o
próprio Ministério da Justiça enviou três cobranças, os procuradores
paulistas também o questionaram, e nada foi feito.
O erro de avaliação
Há vários pontos a explicar seu comportamento.
O primeiro, o da análise incorreta do benefício-risco.
A Satiagraha revelou, em sua amplitude, o risco de atuar contra
pessoas próximas a Serra. Se fosse a favor, haveria blindagem. E a
comprovação foi o próprio comportamento do ex-Procurador Geral da
República Antônio Fernando de Souza. Ele retirou da AP 470 o principal
financiador do mensalão – as empresas de telefonia controladas por
Dantas -, escondendo dados levantados pelo inquérito da Polícia Federal.
Foi premiado com contratos milionários da Brasil Telecom, e continuou
vivendo vida tranquila.
Antes disso, o mesmo Antônio Fernando anulou a Operação Banestado, em
uma atitude escandalosa que não mereceu uma reação sequer da corporação
dos procuradores, menos ainda da mídia.
Depois, o ativismo político de Roberto Gurgel, comprometendo a imagem
de isenção da corporação e garantindo aos inimigos, a forca, aos
aliados, a gaveta.
Com tais exemplos, De Grandis deve ter apostado que, ficando longe dos esquemas tucanos, seria poupado pela mídia.
A falta de informação lhe custou caro.
A blindagem da mídia abrange exclusivamente o esquema Serra - uma
estrutura complexa que passa pelo banqueiro Daniel Dantas, por Verônica
Serra, por lugares-tenentes como Andrea Matarazzo, Gesner de Oliveira,
Mauro Ricardo, Hubert Alqueres (e seu primo José Luiz), antes deles, por
Ricardo Sérgio, Vladimir Riolli, pelos lugares-tenentes que levou ao
Ministério da Saúde, pelos esquemas de arapongagem.
Não entram na blindagem outros grupos tucanos, como o do governador
paulista Geraldo Alckmin ou os mineiros de Aécio. Pelo contrário, não
poucas vezes são alvos de fogo amigo.
Ao não se dar conta dessas nuances, De Grandis se expôs.
Agora ficou sob fogo cruzado do PT e no grupo de Serra.
O PT, para atingir o PSDB; o grupo de Serra para fornecer mais
elementos para Dantas anular a Satiagraha no Supremo Tribunal Federal. O
primeiro grupo ataca De Grandis da Operação Alstom; o segundo, o De
Grandis que não mais existia, da Satiagraha.
O anacronismo da gestão Gurgel
Some-se a tudo isso o anacronismo burocrático da gestão Gurgel.
O MPF padece do mesmo vício do jornalismo: as tarefas principais, a
linha de frente das investigações são entregues a procuradores ou
repórteres novatos. Quando ganham experiência, procuradores são
promovidos e limitam-se a dar pareceres; e repórteres tornam-se
editores.
O burocratismo de Gurgel não criou nenhuma estrutura intermediária,
com procuradores mais experientes coordenando, orientando e fiscalizando
a atuação da linha de frente.
Agora, o novo PGR, Rodrigo Janot, montou essa estrutura intermediária, nomeando procuradores experientes para essa função.
O episódio traz inúmeras lições.
A principal delas são os efeitos deletérios sobre o trabalho dos procuradores, quando submetidos ao jogo de interesses da mídia.
Recentemente, o MPF de São Paulo montou um seminário apenas com
representantes da velha mídia, para falar das relações entre eles. Houve
loas à liberdade de imprensa, ao apoio que a mídia dá a escândalos
mesmo que não devidamente apurados pelo MPF, a celebração da amizade –
que já feriu tantos direitos individuais, pelo hábito da escandalização.
Em nenhum momento entrou-se nos temas centrais: a influência
deletéria dos interesses econômicos na cobertura jornalística; a maneira
como essa submissão à mídia inibe ou pauta o trabalho de procuradores; o
novo papel das redes sociais, como freio e contrapeso aos interesses
corporativos.
Quem sabe, comecem a acordar para os novos tempos.